Meu primeiro livro virtual
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Jesus te ama....
No que passou pela porteira de entrada da fazenda, Luizão avistou a velha figueira. Sentiu duas coisas, simultâneas: um arrepio no couro cabeludo e...não é possível!
Capataz da fazenda Quatro Marcos , tinha aos seus cuidados uma turma de peões para cuidar das mais variadas atividades do empreendimento; tinha o respeito dos patrões e dos seus comandados.
Dona Esmeridiana, a patroa, gostava muito do seu funcionário. Sempre que o via saindo para a lida, acenava-lhe com a mão e dizia: vá com Deus, meu filho, Jesus te ama.
Imediatamente, Juvêncio, seu auxiliar, dizia:
- Que ama, ama. Mas ninguém sabe o porquê.
-Sujeitinho mais filho de uma...
Ocorre que Luizão, mesmo sendo responsável e competente no trabalho, era um glosador desmedido. Nada ficava sem uma piada de sua parte; ninguém escapava da sua boca maldita.
Era comum nas tardes quentes, depois do serviço, ficarem reunidos na frente da casa da fazenda, comendo uma carninha, acompanhada de uma pinga produzida ali mesmo, tocando uma viola e recordando os hits sertanejos. Nesses momentos, vocês que falam tanto em poesia, deveriam estar presentes...iriam, de fato, vivê-la.
Entremeando as músicas, sempre uma história” cabeluda”; ou era a tropa, que na guerra do Paraguai havia passado por ali ou era o “seo” Lurdinho, que tinha caído no poço e morrido aos berros que ninguém escutou.
Era aí que o Luizão fazia das suas. Mandava todos se calarem e dizia estar escutando, ou o berro do Lurdinho ou a marcha da tropa.
-Escuuutem, os soldados estão chegando...
E sempre havia algum tonto para “ escutar” mesmo o que ele alegava.
Um dia, Crispina, uma crioulinha danada e dotada por Deus de todas as linduras deste mundo foi buscar ovo perto do chiqueiro. Passando pelo poço artesiano escutou uma voz vinda lá do fundo: Crispiiiina, me dá um beijo?
Ficou desmaiada “ um ano”. Mais tarde, soube-se que o desgraçado do Luizão tinha entrado no poço para limpá-lo e ao sair, viu a aproximação da menina...Aprontou.
Sabe-se que jiboia não é cobra peçonhenta.. Um dia, Marcão, o mecânico da fazendo, estava em baixo do caminhão trocando uma ponta de eixo. O capataz levado da breca, devagar, colocou uma daquela sobre a barriga do coitado. Até esse perceber que era uma cobra inofensiva, passou por momento de terror verdadeiro.
Assim, Luizão ia brincando com as coisas deste mundo e...do outro.
Um dia, Maneco chegou assustado, cavalo em desabalada carreira, ofegante. Tinha ido até à vila comprar umas coisinhas, ficou de prosa com alguns amigos e se atrasou. Ninguém gostava de chegar tarde na fazenda. Naquela figueira depois do mata-burro havia um “trem “ qualquer.
-Patrão, ao passar pela árvore, senti que a marcha do cavalo ficou mais pesada.Tive a impressão que havia alguém na garupa.
Luizão escutou e sapecou:
-Foi aquele seu namorado que morreu o ano retrasado, Maneco. Ele veio fazer uma visitinha.
A turma glosou, Maneco xingou e vaticinou: vai brincando seu cabra safado. Um dia...
Mas que o quê. Ele não acreditava em coisa do outro mundo.
Luizão foi cuidar de outra fazenda do patrão no longínquo Pará. Ficou muitos anos sem vir até onde começara a sua vida.
Um dia, estava de férias e resolveu rever a antiga turma. Chegou na vila já tarde da noite e pegou o cavalo deixado à sua disposição. Estava ansioso para chegar à sede.
Vinha despreocupado, esquecido das velhas histórias, assobiando baixo.
Destravou a tranca da porteira, passou, tornou a fechá-la e...
Lá está a velha figueira, exclamou.!
Quando passava pela grande sombra da árvore:
-Vichi Maria! Valha-me Nossa Senhora!.
Em seguida ao arrepio, o cavalo estancou a marcha e ele ouviu:
-Seja bem vindo, Luizão, Jesus te ama.
Hamilton Brito, membro do grupo experimental da academia araçatubense de letras.
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