Era um sítio de duzentos alqueires; uma fazenda. Ficava nas margens de um rio com águas cristalinas e celeiro de bons peixes.
Uma casa de único cômodo, chão de terra batida , abrigava o velho Antenor, sua mulher Gervásia, o filho Tarcísio e a filha “ di menor”, Tereza.
Perto da casa um poço, que não era raso e mais distante, um chiqueiro. Quando fazia muito calor, o cheiro dos porcos e seus detritos entravam pela alma.
Infelizes?
Que nada.
Relógio e despertador eram obsoletos ali; o velho galo e o canto das maritacas no seu vai-e-vem mostravam o início de um novo dia, que de novo...
Cafezinho no fogão, cigarro de palha, um enroladino atrás da orelha e outro na boca, a foice na cacunda e lá iam, menos a “ di menor” para o roçado.
E assim eram todos os dias; feriado eles mesmo escolhiam quando fazer. Geralmente, pegavam a jardineira e iam para a vila fazer as compras daquilo que não produziam.
De tarde, ao voltar para a casa, pai e filho paravam no rio, cavucavam umas minhocas e sempre havia uma fritura ou ensopado na panela.
Duas coisas não conheciam: fartura e falta do essencial. É pouco, quase nada, mas muitos por este mundão de Deus não têm.
Todos os dias, ai pelas oito da noite, a lamparina era apagada e a paz reinava no pedaço. Como tinham muito amor para trocar mas não o faziam, cada um se ajeitava com sua esteira em um canto e...boa noite pai, boa noite mãe, a benção.
-Pai, to cansado dessa vida.
-Ah! Sabe que não penso em mim, que já me acostumei e não saberia viver em outro lugar, mas penso em você e, principalmente, na sua irmã. Que futuro tem a menina, vivendo assim.
-Intão, pai. O que a gente vai fazer. Dinheiro a gente não tem nem para mudar. Eu quero ir para a cidade. Gosto daqui . Onde mais eu posso pegar meus peixes, ouvir o canto do xororó, o galo-da-campina, o jaó, ver um por do sol como o daqui, pai?
-Fio, pega a jardineira amanha e vai lá na cidade; procura o cumpadi Zelão, fala se ele pode te arrumar aquele quartinho dos fundos inté você arrumá um emprego. Antonce nóis aluga uma casinha, eu arrumo tomem um emprego, sua mãe pode trabaiá nas casas de família e a gente se arruma ; com o tempo a coisa vai miorá.
Assim pensaram, assim fizeram. Logo o emprego foi arrumado, a casinha alugada, o pai foi ser guarda de posto de gasolina, a mãe lavava e passava “pra fora” e a menina entrou para a escola.
Mas quem trazia mais dinheiro para a casa, era o filho.
-Fio, onde é o seu emprego?
-Ah!Pai, trabalho com uns amigos, sou vendedor ambulante. Ganho comissões. Com pouco tempo, pai, arrumo nossa vida.
-Deus te abençoe, fio.
Realmente, em pouco tempo, até carro, um fusca velho mas em bom estado, o rapaz comprou.
E a vida ia bem, muito bem...
Até que um carro com as cores vermelha, preta e branca, parou na porta... Tarcísio foi levado.
-Pai, e agora, a gente volta pro mato? Eu não quero, pai.
-Fia, to muito desgostoso. Nossa vinda pra cidade, só trouxe desgraça. Aqui não é lugar pra gente.
-Mas pai, quero estudar, ser alguém nesta vida. Lá na roça, o que vai ser de mim.
Não teve jeito. Voltaram. A roça os recebeu de volta... e no rio, um corpo, foi encontrado, boiando...era o corpo de uma moça.
José Hamilton Brito, mmbrodo grupo experimental da academia araçatubense de letras.
Um comentário:
Pior do que se afogar nas águas,é se afogar na desilusão.
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