Melhor ser analfabeto. Quanto mais a gente lê, mais fica sabendo de
coisas esquistas.
Marco Antônio saiu do seu escritório de advocacia, passou no piano-bar e tomou
o seu lugar de sempre.
-Bom tarde, doutor, como foi o seu dia hoje?
-Oi, boa tarde Carmelo, até que não foi mal. Amigo,
manda o de sempre. Quem atira no meio, não erra.
O bar-man se afastou. Marco Antônio abriu sua revista preferida, um semanário
de boa tiragem , abriu na última página e começou a ler seu
articulista predileto: A ARTE DE MORRER era o tema.
Nele era relatado o caso de um conhecido crítico de música, apaixonado por
Villa-Lobos e que ia dar uma palestra sobre o grande maestro. O sistema de som
começou a tocar FLORESTA AMAZÕNICA. O crítico ficou extasiado, deu um suspiro e
caiu morto. Morreu porque se emocionou com algo que era belo e que amava.
Era uma morte semelhante a uma outra: a de Bergotte, personagem de Marcel
Proust, que em uma exposição de arte, fica extasiado com VISTA DE DELF, de
Johannes Vermeer e passa para o degrau de cima, na hora,
Estava absorto lendo a matéria, quando foi interrompido pelo garçom, que trazia
a bebida.
-Luizinho, será que é possível a gente morrer, assim,
de repente, só por olhar algo ou alguém de muita beleza?
-Acho que não, doutor. Posso provar.Uai, fosse isso
verdade, tanto o senhor como eu, já teríamos ido pros quiabos quando a sua
namorada entra ali pela porta,
-Opa! Olha o respeito...
=Doutor, toda afirmação precisa levar junto um
argumento de prova. Foi o senhor mesmo que me ensinou. Não vem, não...
O doutor pediu uma salada completa como entrada, um Le Corti, um
chianti clássio da região da Toscana; depois, salmão ao molho de
alcaparras, pois resolvera jantar. Chegando em casa, iria após breve descanço,
estudar um processo de inventário dos mais intrincados.
-Luizinho, vê a minha despesa, por favor.
Após os acertos e de ter tomado um último
drinque, se dirigiu para o carro, mas ainda ouviu do garçon:
=Cuidado doutor, não vá se emocionar.
No caminho para casa, vendo uma farmácia,
resolveu ver como estava a sua pressão.
-Doutor, vou atender o senhor mas as farmácias não
estão mais prestando o serviço à população.Sabe como é, se podem complicar as
coisas para o povo, porque não fazê-lo, não é mesmo?
Pressão normal; tranqüilo, foi para casa.
Até se esqueceu da matéria lida.
Após o banho, tendo vestido o roupão que lhe agradava,
ligou o som para ouvir Harry Jerome e acomodou-se no sofá.
A música era moonlight serenade; Marina, sua namorada, gostava de fazer amor
ouvindo a canção.
Ele também
gostava muito.
Por
volta das onze horas, Marina, que tinha a chave da casa, entrou e o encontrou
deitado, sereno.
Tinha um sorriso nos lábios.
José Hamilton Brito, membro do grupo experimental da
academia araçatubense de letras.
Um comentário:
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