Meu primeiro livro virtual

sábado, 17 de dezembro de 2011

ERA LÁ

Era lá

A noite ainda dava os seus últimos bocejos e na linha do horizonte um clarão anunciava o início de um novo dia; uma ou outra estrela teimava em permanecer como que aguardando o início de um grande espetáculo.

Marlene abaixou a luz dos faróis deixando as lanternas acesas, pois se não era dia ainda, noite também não era.

Trafegava por uma estrada bem cuidada, de três pistas que ofereciam segurança para os usuários.

Estava cansada, ansiosa por um posto destes de beira de estrada, pensando em um cafézinho e dar uma esticada nas pernas. Afinal, já havia rodado 750 quilômetros e outros 130 precisavam ser “ engolidos”

Mas ia feliz. Recém formada em medicina, havia escolhido uma pequena cidade no interior de Santa Catarina para montar o seu consultório quando reunisse o numerário, trabalhando como contratada do hospital da cidade.

Solteira, havia deixado a mãe aos cuidados da irmã mais velha, professora do ensino médio na cidade onde nascera; ela havia contribuído muito para a sua formação, dando-lhe os recursos que faltavam , posto serem os seus proventos como vendedora de carros, insuficientes.

Quando se deu conta, trafegava por uma avenida beira mar vendo as ondas se quebrarem nos rochedos; gotículas de água chegavam ao seu rosto, mas não suspendeu os vidros do carro pois a sensação de vida nova começou a tomar conta dos seus sentidos.

Dirigiu com cuidado, pois via o paredão à sua esquerda e o asfalto estava molhado; qualquer descuido, qualquer vacilo na direção e... Deus me livre.

Ali estava o seu presente e o seu futuro e se fosse tomar por base a paisagem que se descortinava à sua frente e às informações que tinha sobre a cidade e o hospital, seria um futuro radiante. Tentar fazer uma medicina mais humanizada era o seu objetivo.

Mas pensando no futuro, voltou ao passado.

A primeira imagem foi a do pai, funcionário de uma revenda de automóveis, vendedor conceituado que lhe dando todas as informações, possibilitou mais tarde que ela viesse ganhar o seu sustento e o da mãe, uma vez que o pai, vítima de violento infarto, virou espírito de luz.

Viu-se como normalista, usando aquele uniforme de saia azul e camisa branca; a irmã já fazia o científico mas depois optou pelo magistério. Optou nada, foi obrigada pois não havia dinheiro suficiente para que um dia pudesse ostentar um belo número do Conselho Regional de Medicina.

Com a irmã formada e casada dando-lhe o suporte necessário , prestou vestibular para medicina e de antemão sabia que se passasse, iria arrumar um problemão na vida, pois achava não ser justo sacrificar seus parentes para poder ser médica. Passou, pensou em desistir e teve que levar a maior esculhambação do cunhado, justo dele, que pensava, não iria gostar de ajudá-la nos estudos.

No terceiro ano do curso quase a coisa se complica. Conheceu uma verdadeira praga morena, 1.80 de altura, cabelos pretos, olhos verdes e sonhadores, um sorriso que matava mais que formicida Tatu e não demorou vieram as ânsias de vômitos, as tonturas, as vontades de comer gabiroba as quatro horas da manhã.

Não pensou um instante em si, mas no sacrifício inútil da família. Seu professor de obstetrícia, homem dado mais ao pragmatismo que aos princípios morais e éticos fez a sugestão e ela aceitou na hora.

De repente, uma freiada mais brusca; um cachorro saiu da mata em velocidade e atravessou a pista.

Epa! Preciso tomar cuidado. Fico pensando na morte das bezerra, descuido e se....Deus me livre.

Viu perfeitamente, como se estivesse acontecendo de novo, o seu baile de formatura. A família orgulhosa dela. Quando dançava com o cunhado, sentiu que o fazia com o pai. Sentiu o seu cheiro, os carinhos que ele fazia nela...ele sorria.

-Olá papai, você por aqui, como é bom te ver .

Não era aqui....era lá.

...

3 comentários:

O Poeta das Multidões disse...

No apresentação do Grupo da Seresta, na praça Rui Barbosa, O Mirto Fricote deu um show. O publico o aplaudio em pé. POis não tinha uma cadeira. Amém. Heitor Gomes.

Cidadão Araçatuba disse...

Tai camarada mais um excelente texto. Você precisa desenvolver mais ainda esse dom ao contar "causos" e criar alguns em forma de novela, com vários capítulos, pois fiquei curioso no final o que aconteceu? A médica venceu?
Abraço!

Rita Lavoyer disse...

Essa roupa de normalista me fascinava. Tinha enorme vontade de usar uma, camisa branca, saia cinza e sapatos de verniz. Inelizmente esse uniforme sumiu antes que eu chegasse ao teceiro ano lá do passado.
Afinal 1,80m faz bem a muitas doutoras, o resto é puro 'causo'