“.... abismo que cavaste com teus pés.”
Tudo corria bem organizado na vida de Gilda.
Tudo corria bem organizado na vida de Mozart.
Viviam em lados opostos da cidade, também viviam uma
realidade social diferente em função da situação econômica que os separavam e a
chance que viessem a se conhecer na vida era de cem contra uma... Ganhou o uma.
Estavam bem firmes e seguros nas respectivas voltas que a
vida dá quando em uma sacudidela do destino passaram a frequentar o mesmo
grupo.
A princípio o comportamento de praxe, o que se espera de
pessoas educadas:
-Boa noite, como vai a senhora?
_Bem, e o senhor, como tem passado.
Durante bom tempo foi assim e não foi assim mais depois que
certas coisinhas começaram a acontecer, tais como, um aperto de mão mais
demorado, um abraço mais apertado, um sorriso maroto não mais disfarçado. Ah!
De repente, se flagravam olhando para o outro em um olhar rapidamente desviado.
Em um evento do grupo no qual se confraternizavam pelo
término de mais um ano, um conjunto tocava Contigo em La distância e ele a
convidou para dançar.
Mas assim como num átimo a postura respeitosa e distante
sumiu e os seus corpos se colaram
de tal forma que a mensagem foi plenamente entendida:
_ Eu quero você.
A atitude clássica, dos braços estendidos, foi substituída
pelo recolhimento junto ao corpo, no qual o polegar dele roçava o queixo dela,
a mão que a enlaçava apertava-lhe o quadril e o seu peito apertado ao dela
transformou aquela dança num misto de inferno e paraíso.
Houve um primeiro encontro.
Foram a um barzinho para conversar, ouvir uma música e viram existir uma
afinidade muito grande entre os dois. Não se tratava apenas de um apelo sexual.
_Mozart, eu tenho um vinho raro e quero que você o receba
como um presente.
_Olha, podemos fazer melhor. Vamos tomá-lo juntos. Resta
saber se na minha ou na sua casa.
-Nossa, vai ser difícil tanto na minha quanto na sua.
-Uai Gilda, por quê? Afinal, somos livres e donos da nossa
vida.
-Você que pensa. Eu sou aparentemente livre. Pensam que eu
sou divorciada, mas, na verdade sou apenas separada. Em minha casa tenho um
filho ciumento e o meu marido, que vive com outra, me paga uma generosa pensão
só para que não haja divisão de patrimônio. Se souber que estou amando alguém e
quero viver com ele, por certo tomará uma atitude.
-Bem, podemos nos encontrar na minha casa, seremos discretos.
-É mesmo? Aquela vizinha sua sabe de todos os seus passos,
sabe a hora que você sai e chega, qual camisa você está usando. E ela me conhece e à minha história.
Como tinham saído no carro dela, no retono para a casa dele, pararam
mais afastados e o primeiro beijo foi trocado. Após o primeiro, o segundo.
Depois do segundo... bem, não interessa mas foi intenso. Ela há muito não se
entregava a carinhos íntimos. Há muito não sentia o gostoso cheiro do pecado. E
aproveitou com sofreguidão.
-Mozart, precisamos dar um jeito. Não é isso que eu quero.
Aliás, é isso e muito mais. Quero ir ao mundo da loucura mesmo que nunca mais
eu retorne.
-Gilda, só nos resta um caminho: motel.
-Ah! Eu indo a motel... Tenho filho e amigos de filho que
seguramente vão se aliviar em motéis. Não posso correr risco.
Os encontros que marcavam não davam certo, ora por
impedimento dele, ora por parte dela.
Ele percebeu que ela queria, mas tinha muito medo de perder a
situação que desfrutava e ele sabia que não teria condição material de
substituir o outro em suas responsabilidades.
“-” Presta atenção, querida” não podemos continuar, vamos
colocar os pés no chão. “ O mundo é um moinho”. Não que os nossos sonhos e
desejos sejam mesquinhos, mas, serão triturados mesmo assim. Não podemos viver
à beira de um abismo que estamos prestes a criar com os nossos próprios pés.
Hamilton Brito, grupo experimenal da AAL-ciadosblogueiros.blogspot.com
2 comentários:
Tiro a Cartola pra você Hamilton. Muito bom!
Lindo demais, me vem uma inveja santa por tamanha criatividade..
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